terça-feira, 10 de dezembro de 2019

Alvo de ataque em Bauru, professor Juarez é homenageado pelo Corinthians

Ativista recebeu uma camisa do time entregue pelo atleta Junior Urso e ganhou destaque no site e nas redes sociais do Timão


Rodrigo Coca/Agência Corinthians
Juarez recebendo camisa do Junior Urso, jogador do Corinthians
Vítima de racismo e esfaqueado em pleno dia da Consciência Negra Imagine, em 20 de novembro deste ano, o professor de jornalismo da Unesp e ativista Juarez Xavier foi homenageado pelo Corinthians nesta segunda-feira (9). Ele ganhou destaque no site e nas redes sociais do clube, que fez um texto especial contando sua história. O time, por exemplo, lembrou que Juarez Xavier esteve presente na Invasão do Maracanã em 1976.
Neste domingo, na Arena Corinthians, o clube perdeu para o Fluminense na última rodada do Brasileirão, por 2 a 1, mas Juarez, que acompanhava a partida, recebeu uma camisa das mãos do atleta Junior Urso.
Em seu site, o Corinthians, destaca que o professor ficou afastado do trabalho por alguns dias, mas já está 100% recuperado fisicamente. Ele detalhou o ocorrido logo no dia mais importante do ano para a população negra. E revelou que é corinthiano fanático. “É pleonasmo dizer que um corinthiano é fanático. Todos somos”, brinca.
Confira a entrevista com Juarez Xavier, professor, ativista contra o racismo, e corinthiano:
Qual é o seu histórico pessoal e profissional? Como chegou à Unesp?
Eu tenho 60 anos. Nasci na Vila Mazzei (bairro da zona norte de São Paulo), em uma família de mulheres empregadas domésticas corinthianíssimas. Como professor, cheguei à Unesp em 2011, mas comecei a trajetória profissional no final dos anos 1990 em escolas de segundo grau. Depois, nos anos 2000 concluí o mestrado e dei aulas em universidades, principalmente com jornalismo. Passei pela Univ. Brás Cubas, Unicsul, Unimep, Unicid, onde fui diretor e coordenador de curso, e até chegar à Unesp, onde fui chefe do Departamento de Comunicação Social, e desde 2017 sou assessor da Pró-reitoria de Extensão. Atualmente ministro Jornalismo Especializado na graduação, e Mídia e Tecnologia na pós-graduação.
Agora, falando sobre o ataque que você sofreu. Como ocorreram as agressões? A pessoa te abordou de que forma?
Não era uma pessoa conhecida, eu nunca vi aquela pessoa na minha vida, não tinha a menor ideia de quem era. Ela passou por mim na rua, apontando ostensivamente uma coisa em minha direção e atravessou a rua. Eu fiquei olhando, não ia dar as costas para a pessoa, quando em um determinado momento ele ergueu os braços e me chamou de macaco. Eu atravessei a rua e fui tirar satisfação, e quando eu o chamei, ele já virou com a faca na mão. E diante desse cenário, eu não tinha como não me proteger. Ele me esfaqueou, eu reagi, tentei contê-lo, imobilizá-lo, e nem percebi que teve um segundo esfaqueamento, só percebi quando o pessoal do Samu viu que eu estava sangrando. A partir daí teve a chegada de pessoas da rua, que me socorreram e detiveram o agressor até a chegada da Polícia.
Qual o sentimento ao receber essa agressão racista?
Então foi uma situação de uma pessoa que eu não conheço, que me ofendeu na rua, eu fui exigir retratação e ele me esfaqueou. Foi uma das coisas mais estúpidas que eu já vi na minha vida de pessoa adulta envolvida na luta pelos direitos humanos. Nunca imaginei que poderia viver uma situação como essa.
E a sequência do caso?
Quando a gente foi fazer o Boletim de Ocorrência o delegado optou por tipificar como lesão corporal e não como tentativa de homicídio, que é um crime grave, além de injúria racial em vez de racismo, que não permite pagar fiança e é um crime imprescritível (que não perde a validade com o tempo). Estamos questionando essa tipificação, e vamos entrar com uma representação junto ao Ministério Público.
Mudando momentaneamente de assunto: qual a sua história como torcedor corinthiano?
Nasci na zona norte, de um pai caminhoneiro que faleceu em 1970 e uma mãe boia-fria, depois operária têxtil e terminou a vida como empregada doméstica. Quando eu morava na zona norte, houve um episódio trágico no bairro, com a morte de três pessoas do meu círculo de amizades. Minha mãe então decidiu nos mudarmos para a zona leste, onde cresci, estudei e me criei. O corinthianismo eu herdei da minha mãe, que era fanática – quer dizer, é tautologia né, ela é corinthiana (risos). Sou de uma família de torcedores, minhas tias, sou corinthiano desde que tenho memória. E na Vila Mazzei havia um grupo de jovens negros fundamentalmente corinthianos, e alguns torcedores de outros times como Santos e Portuguesa. Dos outros times quase não havia torcedores. O primeiro jogo que assisti no Pacaembu foi um Corinthians e Santos, que terminou 1 a 1. Pude ver Rivellino e Pelé em campo.
Você contou que foi à Invasão Corinthiana no Maracanã.
Sim. Eu fui trabalhar em uma fábrica onde haviam muitos corinthianos, muitos mesmo. E foi lá que conheci o núcleo de uma torcida chamada “Até a Morte”. E lá eu permaneci nesse núcleo fanático, até que fomos para a Invasão no Maracanã, que foi um dos momentos mais importantes da minha trajetória como torcedor. Também fui para as duas primeiras finais do Paulistão de 1977, mas na terceira decidi ficar em casa para cuidar da minha mãe.
Para você, qual é o maior título da história do Corinthians?
Para a minha geração, o maior título da história do Corinthians é o de 1977. Eu sou de uma geração que passou anos sendo zoada na escola, que amargou derrotas importantes – por exemplo, eu tinha certeza que ganharíamos o Estadual dois anos antes, mas perdemos. Tivemos times maravilhosos, jogadores maravilhosos que eu lembro com muito carinho. Adoro o Rivellino, adoro o Adãozinho, acho que foi um dos maiores jogadores que passaram pela história do clube. Também adorava a defesa do time nos anos 1970. Mas nós não tínhamos títulos. E de repente um título suado, batalhado como aquele. No segundo jogo eu estava no Morumbi e tinha certeza absoluta de que ganharíamos a partida, e o Rui Rei calou o estádio. Para mim foi o mais belo, mais extraordinário, mais emocionante título que conquistamos. Depois com os que vieram eu até fiquei mal acostumado (risos), mas o de 1977 é inigualável para mim.
Por fim, como vê os recentes casos de racismo no futebol brasileiro e Mundial?
Esse crescimento do racismo no futebol tem sido denunciado há bastante tempo. Lilian Thuram, ex-zagueiro campeão do mundo pela seleção francesa, desenvolve um trabalho muito bom no enfrentamento ao racismo. Talvez seja o ex-jogador de futebol com trabalho mais importante. Existe também um site que prega o respeito no futebol e que tem feito esse levantamento de dados. Tem havido um aumento de casos na Europa, principalmente porque torcedores que têm essa conduta racista que, não sendo combatida na sociedade, está sendo levada para os estádios. Jogadores que atuaram no final do século passado já relatavam isso, e as entidades máximas do futebol não combateram. Então, isso já estava acontecendo em outros lugares e chegou ao Brasil. Eu creio que a disseminação dessa prática racista ocorre porque não há um combate a esse tipo de prática. O ideal seria observar quem são as pessoas, desbaratar essas organizações, aplicar a lei – ou seja, racismo é crime – e bani-las da vida esportiva. E os times que não fizerem campanhas — não é estender faixas, é fazer campanhas, mesmo — deveriam ser punidos.
Ida à Arena e encontro com Júnior Urso*
À convite do Corinthians, Juarez Xavier compareceu ao último jogo do Timão na temporada de 2019, contra o Fluminense, na Arena Corinthians. O torcedor acompanhou a partida no camarote do programa Fiel Torcedor e, no final, conheceu o jogador Júnior Urso, de quem recebeu uma camisa de presente.

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